E aí, meu amor, como você tá?


“E aí, meu amor, como você tá? Não, não, eu só gostaria mesmo de te perguntar o que você espera da vida: se é coisa boa, ruim ou o suficiente. Porque você sai de casa todos os dias com salto quinze e saia bege e eu percebo, eu sempre te vejo passando na faixa de pedestres cantando alguma música enquanto eu espero o sinal abrir, eu percebo que você é triste. E um pouco mais do que antigamente, querida. Acho que você não está ligada no fato de que eu mudei de carro, e por isso todos os dias não surta ao perceber que eu paro lá, na sua frente. Acho que se me visse falaria comigo, me perguntaria como estão as coisas também e se eu continuo no mesmo emprego. Perguntaria dos remédios, dos calmantes, tudo bem, meu amor, está tudo ótimo. Mas e você, me fala de você: o que acontece com você que não te vejo mais todos os sábados na porta do banco, dinheiro sendo colocado na carteira enquanto você olha pra todos os lados a procura de bandidos e sai, indo em direção ao supermercado?


Onde está você que nos dias de quinta-feira não aparece no cinema pra ver seu galã onírico, aquele que não sai dos seus sonhos ou da tela de cinema? Você anda sumida, minha filha. Eu tenho estado preocupado por isso, sabe? Porque sumiço quase nunca é coisa boa: pode ser por doença ou por medo. Na maioria das vezes é sempre por isso. E o pior de tudo é que pelas duas formas você vai acabar de um jeito ou de outro se encolhendo toda até morrer sufocada em suas crises: dentro do quarto, na sala ou no consultório odontológico, enquanto você espera a médica gritar seu nome da sala branca e inóspita. E aí, querida, me diz o que acontece com esse seu corpo que de alguns anos pra cá tem mudado cada vez mais? E que dramaticidade é essa que te corrói e faz com que seus braços, suas pernas e seu perfil todo pareçam cada dia mais infantis e frágeis? Você tem um ar de superioridade que não me engana, tá certo? É pra manter distante de você aqueles caras que se acham os reis da mulherada ou pra se sentir, pra si mesma, uma pessoa melhor? É que você já é boa demais exteriormente, menina. Não se consuma demais tentando montar algo puro e bonito pra servir como uma lembrança de você para você, porque no final ninguém se lembra; nem você lá, nos sentindo debaixo da terra, nem nós aqui, a sentindo debaixo do mundo. Você não é superior por ser simples, nem coitadinha por ser sonsa, nem Lolita, de qualquer modo, então pare. O seu pai está melhor? Nunca mais tive um daqueles espasmos de coragem pra te olhar nos olhos e fazer aquelas perguntas inaudíveis. E sei que se o fizesse, você não conseguiria responder. O assunto te mata: por ele estar vivo e morrendo ou por estar morto e doendo. Queria te dizer pra mudar a cor do cabelo agora que não está mais comigo. É que, veja bem: você ainda pode manter o livro que te dei no mesmo lugar ou, casualmente, usar o óculos escuro que compramos juntos pra camuflar a visão em meio a multidão, mas você? Você precisa de algumas coisas novas. Você ainda é ruiva, eu sei. Mas é porque um dia eu te disse que você ficava linda assim. E ficava. Mas você se acha? Se sente assim? Porque, meu anjo, eu tenho vontade de descer abrir transgredir qualquer lugar em que eu esteja pra colocar as mãos calejadas em seus ombros e dizer, com o peso de tudo abaixo dos dedos, que você ainda é linda e sua e de mais ninguém. E que você precisa de amor. Só um pouco de amor.”

— Circos (via s-i-m-p-l-i-f-i-c-a-r)

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