Frases e Trechos de Hermann Hesse – Livro: “O Jogo das Contas de Vidro”



“[...] quanto maiores a agudeza e a severidade com que formulamos uma tese, tanto mais irresistivelmente ela clamará por sua antítese.”

“Para nós só é herói, e uma pessoa digna de especial interesse, quem por natureza e pela educação foi colocado na situação de deixar fluir quase por completo sua pessoa na função hierárquica, sem ter por isso perdido o impulso enérgico, fresco e digno de admiração que perfaz o aroma e o valor de um indivíduo. E caso surjam conflitos entre a pessoa e a hierarquia, consideramos esses conflitos a pedra de toque para avaliar a grandeza de uma personalidade. Quanto menos aceitamos o rebelde, levado a romper com a ordem estabelecida por causa de seus desejos e paixões, maior o respeito com que refletimos sobre o valor do sacrifício, sobre a verdadeira tragédia.”

“[...] assim como é fácil classificar dentro da história universal, com beleza e sentido, qualquer período do passado, o presente, seja ele qual for, é incapaz de classificar-se a si mesmo [...]“
“[...] como ocorre com frequência, uma instituição importante e destinada a ter uma vida longa derivou seu nome de uma coisa insignificante e efêmera.”

“[...] passou-se muito tempo até que se reconhecesse que a técnica, a indústria e o comércio também necessitam da base comum de uma moral e honradez espirituais.”

“[...] não devemos nos esquecer de que os fatos históricos, ao serem registrados, por mais que isso se faça com sobriedade e boa vontade, permanecem sempre poesia, e sua terceira dimensão é a ficção.”

“Onde quer que exista uma obra, o historiador não pode deixar de considerá-la a metade inseparável da vida de seu criador, perfazendo com esta uma vivente unidade.”

“Existem muitas espécies e formas de apelos à vocação, mas o cerne dessa vivência é sempre o mesmo: a alma desperta, transformada ou mais elevada, pelo fato de que, em lugar dos sonhos e pressentimentos íntimos, de súbito um apelo exterior, um fragmento da realidade se apresenta e intervém.”

“[...] aos caminhos sem perigo mandam-se só os fracos. Mas tu não deves te esquecer daquilo que muitas vezes eu te disse: nossa missão é conhecer de modo correto os contrastes, primeiramente como tal e depois como pólos de uma unidade.”

“Cada um de nós é apenas um homem, apenas uma experiência, algo que se encaminha. Mas deve encontrar-se num caminho em que a perfeição também se encontra, deve aspirar ao centro, não à periferia.”

“Quem centralizar a mais sublime energia do desejo, quem a dirigir ao verdadeiro ser, à perfeição, terá uma aparência mais calma do que a pessoa apaixonada, porque a labareda do seu ardor não é sempre visível, e porque, por exemplo, ao discutir, essa pessoa não grita nem gesticula. Mas eu te digo: esse homem arde, queima!”

“- Ah! Se pudéssemos ao menos adquirir sabedoria – exclamou Servo. – Se existisse ao menos um ensinamento em que pudéssemos acreditar! Todas as coisas se contradizem, passam ao lado umas das outras sem se tocar, e em parte alguma existe a certeza. A tudo se pode conferir um dado significado ou o significado contrário. Podemos apresentar a história universal como um processo de evolução e progresso, e considerá-la ao mesmo tempo decadência e absurdo. Não existe a verdade? Não existe um ensinamento genuíno e válido?

O Mestre nunca o ouvira falar com tanta veemência. Deu mais uns passos e depois disse:

- Existe a verdade, meu caro! Mas o “ensinamento” que desejas, absoluto, perfeito, o único ensino que conduz à sabedoria, esse não existe. Tu não deves aspirar a um ensinamento perfeito, meu amigo, mas ao aperfeiçoamento de ti próprio. A divindade está dentro de ti e não em conceitos e livros. A verdade é vivida e não ensinada teoricamente. Prepara-te para as lutas, José Servo, estou vendo que elas já principiaram.”

“As ações de um mestre ultrapassam sempre os limites dos atos pessoais.”

“[...] quem mais se eleva e maiores tarefas recebe não adquire maior liberdade por isso, mas assume cada vez mais responsabilidade.”

“Inevitavelmente, os dois alunos travaram relações de cunho especial: ambos eram talentosos e haviam atendido ao apelo da vocação, o que os irmanava, mas em tudo o mais eram o oposto um do outro. Seria necessário um professor de excepcional inteligência e arte para, da missão daí decorrente, extrair a quintessência e, de acordo com as regras da dialética, possibilitar a síntese permanente entre os contrastes e acima deles.”

“[...] justamente quando estamos em dificuldade e nos desviamos do nosso caminho, necessitando de um corretivo, é que sentimos a maior repulsa em retornar ao caminho normal e procurar o corretivo normal.”

“[...] todo posto brilhante e representativo é pago com o preço da responsabilidade, de muito esforço e pesados encargos interiores [...]“

“Era agradável e sedutor exercer domínio sobre os outros e brilhar aos olhos alheios, mas encerrava, por outro lado, algo demoníaco e perigoso, e a história universal consistia numa fila ininterrupta de senhores, chefes, poderosos e mandantes que, com raríssimas exceções, haviam principiado bem e terminado mal, e haviam, pelo menos aparentemente, aspirado ao poder em prol do bem, para mais tarde se tornarem possessos e embriagados por esse mesmo poder, amando o poder pelo poder.”

“Se as autoridades superiores te chamarem para ocupar um cargo, fica sabendo que cada grau na escala dos cargos não é um passo para liberdade, mas para um compromisso. Quanto maior o poder conferido pelo cargo, mais severa a servidão. Quanto mais forte a personalidade, mais reprovável a vontade arbitrária.”

“Toda ciência, aliás, é organização, é simplificação, é uma preparação para tornar diferível tudo o que é indigesto para o espírito.”

“Ele sentia-se um homem, jovem no sentimento e nas forças mas sem a entrega de si mesmo ao momento e à variação dos sentimentos, sem a antiga liberdade; agora sentia-se bem desperto, preso às circunstâncias e aos deveres – por quê? Por que ocupar um posto? Pela missão de representar perante os habitantes do convento sua terra e sua Ordem? Não, era a própria Ordem, era a Hierarquia, às quais, ao fazer esse repentino exame de consciência, ele se sentia inexplicavelmente ligado e integrado; era a responsabilidade, o sentimento de ser envolvido pela generalidade e por algo superior, que dá a muitos jovens a aparência de um velho, e a muitos velhos a de um jovem, que nos imobiliza, que nos oferece um esteio e ao mesmo tempo rouba-nos a liberdade, como se dá com a estaca em que se ata uma árvore nova, e que nos tira a inocência, ao passo que exige precisamente de nós uma pureza cada vez maior.”

“Não devemos fugir da vita activa para a vita contemplativa, nem vice-versa, mas variando entre as duas, estar sempre a caminho, nas duas ter a nossa morada, participar de ambas.”

“[...] se desejo ordenar e denominar a vossa e a nossa experiência, não faço porque goste de dissolver a realidade e a beleza na abstração e generalização, mas porque quero anotá-las e retê-las o mais determinada e claramente possível.”

“Tudo acontecia como havia acontecido tantas outras vezes e no entanto era como se fosse tudo novo e sugestivo.”

“Abstrações são encantadoras, mas sou a favor de que se deva também respirar o ar e comer o pão.”

“[...] nada poderia ser mais agradável e mais bem-vindo, a quem se via em situação tão penosa, do que o afastamento imediato do lugar que era a fonte de seus sofrimentos.”

“Não há [...] vida nobre e elevada ignorando a existência do diabo e dos demônios e sem a constante luta contra eles.”

“Ele tinha ultrapassado o círculo das possibilidades que esse cargo trazia ao desenvolvimento de suas forças e tinha atingido aquele ponto em que grandes naturezas precisam abandonar o caminho da tradição e da submissão obediente para tentar, assumindo a responsabilidade desta atitude, novos horizontes ainda não traçados e não experimentados, fiadas numa força superior indefinível.”

“[...] dois povos de línguas diferentes nunca se entenderão entre si nem poderão comunicar-se tão bem quanto dois indivíduos pertencentes à mesma nação que falam a mesma língua. Mas isso não é motivo para renunciar à compreensão e à comunicação. Também entre membros de um mesmo povo e pessoas que falam a mesma língua levantam-se barreiras de cultura, de educação, de talento e de individualidade. Pode-se afirmar que cada homem na Terra pode em princípio entender-se com um outro e pode-se igualmente afirmar que há absolutamente dois homens no mundo entre os quais seja possível uma comunicação e uma comunhão autênticas, íntimas, sem lacunas. Tanto uma afirmação como a outra são plenamente verdadeiras. É Yin e Yang, dia e noite, ambas têm razão, é preciso ter ambas em mente de vez em quando [...]“

“[...] se podemos fazer um homem feliz e sereno, então devemos fazê-lo em todo caso, quer ele nos peça ou não.”

“[...] Magister Ludi foi um grande artista; por um lado sua capacidade de resistir ao impulso de educar, influir, curar, ajudar, desenvolver era tão reduzida que os meios se tornavam quase indiferentes. Por outro lado, era-lhe efetivamente impossível executar o mais simples trabalho sem se dedicar totalmente, de corpo e alma.”



“Minhas exigências são modestas, menores do que tu és capaz provavelmente de supor. Preciso de um quarto e do pão cotidiano, antes de tudo de um trabalho e uma tarefa como professor e educador, preciso de um ou alguns alunos e pupilos com quem eu viva e sobre os quais possa atuar. Numa universidade é no que menos penso. Eu seria também com prazer, digo melhor, com preferência acentuada, preceptor de um menino ou aceitaria algum trabalho deste gênero. O que eu busco e necessito é uma tarefa simples, natural, uma pessoa que precise de mim. A profissão numa universidade me enquadraria outra vez desde o começo numa aparelhagem oficial de tradições, normas de rotinas mecânicas e prescrições sagradas. O que eu quero é justamente o contrário.”


“Pode-se compreender tudo, se se procura esclarecer o assunto em questão.”


“Acontecia-lhe o que acontece a todos os homens que exercem poder sobre outros homens, um poder natural e a princípio inconsciente. Este poder não será exercido sem consequências para seu portador.”


“O poder, seja ele monárquico ou anônimo, sempre se encontrou preparado para promover, por meio de proteção e privilégios, uma nobreza nascente, quer se trate de uma nobreza política ou de outra qualquer coloração, nobreza de sangue e nascimento ou nobreza de elite e educação. A nobreza favorecida sempre se fortalece sob esse sol, mas o ficar ao sol e o gozo de privilégios, a partir de certo estádio em diante, sempre se tornam uma tentação para ela e conduzem à corrupção.”


“E esquecemos sobretudo que nós mesmos somos um pedaço da História, uma criatura, alguma coisa que está condenada a morrer, se vier a perder a capacidade de continuar a transformar-se. Nós somos, nós mesmos, História e somos co-responsáveis pela história universal e nossa posição nela. Falta-nos muito a consciência desta responsabilidade.”

“Para governar não é preciso ser curto de inteligência e brutal, como intelectuais vaidosos por vezes apregoam. Faz-se mister para exercer o mando o gosto permanente de uma atividade voltada para fora, a paixão de identificar-se com metas e objetivos e por certo também uma certa rapidez e falta de escrúpulos na escolha dos caminhos para o êxito.”

“Quanto mais elevada a cultura de um homem, quanto maiores os privilégios de que ele goza, tanto maiores devem ser, em caso de necessidade, os sacrifícios.”

“Também a estética e a suprema beleza são efêmeras, tão logo se tornam história e fenômeno sobre a face da Terra.”

“O que mais necessitamos é de professores, homens que ministrem à juventude a capacidade de medir e julgar e que sejam modelos no respeito à verdade, na obediência ao espírito, no serviço à palavra.”

“Ah, se ele pudesse explicar e demonstrar também aos outros o que lhe parecia tão claro! Ou seja, que a “arbitrariedade” de seu atual procedimento era, em verdade, serviço e obediência e que, longe de ser libertário ou fugir da responsabilidade, atrelava-se a um compromisso, com a única diferença de que este era novo, desconhecido e inquietante. Ele não era nenhuma trânsfuga, mas atendia a um apelo superior, não agia a seu bel-prazer, mas era obediente, não era um senhor, mas uma vítima.”

“Minha vida deveria ser um transcencer, foi esse o propósito que tomei. Devia ser um progredir, de degrau em degrau, em que os espaços, um após o outro, deveriam ser trilhados e abandonados, da mesma forma que uma melodia se inicia, se desenvolve e chega ao fim, tomando e deixando tema após tema, compasso após compasso; jamais se cansa, nunca adormece, sempre alerta, sempre perfeitamente presente.”

“[...] para a memória, as impressões dos sentidos são um substrato mais profundo do que os melhores sistemas e métodos de pensar.”

“[...] em épocas de inquietações e preocupações gerais, um homem é tanto mais apto a prestar auxílio quanto mais tiver posto sua vida e pensamento a serviço do espírito e acima da personalidade, e quanto mais souber respeitar, observar, venerar, servir e oferecer sacrifícios.”

“[...] os homens que se dedicam ao espírito despertam nos outros uma estranha repulsa e antipatia, e que só são apreciados de longe, e lembrados em caso de necessidade, mas sem amor; não são considerados pelos outros seu igual, e, sendo possível, evitam-no [...]“

“[...] um homem que procura decifrar os domínios do espírito não deve deixar de amar; deve observar sem orgulho os desejos e loucuras da humanidade, mas sem deixar-se dominar por eles [...]“

“Servo se comportou diante de seu aprendiz exatamente como qualquer pesquisador solitário, ao envelhecer, se comporta diante de seus admiradores e discípulos: confuso, tímido, reservado, evasivo, cheio de receio de ser perturbado em sua bela solidão e liberdade, em suas caminhadas errantes pelas selvas, suas solitárias caçadas e buscas de raridades, seus sonhos e espreitas; cheio de ciúmes de seus hábitos e preferências, segredos e meditações.”

“[...] o professor não deve ser um servidor do aluno, mas ambos têm de ser servidores do espírito. Essa é a razão pela qual os professores sentem diante de certos talentos fulgurantes timidez e temor; esses alunos falseiam o sentido e o valor do trabalho do mestre. As exigências de um aluno de inteligência brilhante mas que não sabe ser um servidor significam no fundo um pecado contra a capacidade de servir, uma espécie de traição ao espírito.”

“Mesmo tendo abandonado a sua vida mundana, mesmo tendo distribuído sua fortuna e dado a sua casa, mesmo tendo deixado a cidade com suas múltiplas incitações aos prazeres da carne e do mundo, teve contudo de levar consigo para o deserto o seu próprio ser, e este ser ia carregado de toda sorte de instintos do corpo e tendências da alma capazes de induzir um homem em perigos e tentações.”

“[...] o diabo dedica uma atenção toda especial aos que fogem do mundo e praticam a penitência.”

“[...] a paz é também uma coisa viva, e, como todo ser vivente, precisa crescer e diminuir, precisa adaptar-se, precisa enfrentar crises e experimentar transformações.”

“[...]é além disso uma lástima quando um homem morre no desespero. Deus nos envia o desespero não para matar-nos, Ele no-lo envia envia para despertar em nós uma vida nova.”

“Quão poderosa é a força que leva um jovem a abandonar seus amigos, seus camaradas e seus hábitos, a mudar de vida e representar o papel nada invejável de genro, entre pessoas estranhas!”

“Se a ventura de seu amor com Praváti fora grande, não foram menores seu sofrimento, seu ódio, o sentimento de perda e de ofensa que o assaltaram. É o que sucede ao homem que concentra toda a sua capacidade de amar num único objeto. Com a perda desse objeto, tudo desmorona, e ele fica entre destroços.”

”[...] cada breve instante de repouso fazia retornar o sofrimento ao coração do miserável, e ele tinha de correr e movimentar-se, com a impressão de que precisava caminhar até o fim do mundo, até o fim de sua vida, a qual perdera o valor e o brilho.”

“A concentração e a sabedoria eram coisas boas, coisas nobres, mas pareciam florescer apenas à margem da existência, e os atos e sofrimentos daquele que nadava na correnteza da vida, lutando contra suas ondas, nada tinham a ver com a sabedoria, eram fatos objetivos, eram o destino, tinham de ser praticados e suportados. Os deuses tampouco viviam numa paz eterna nem na eterna sabedoria, também conheciam o perigo e o medo, lutas e batalhas, ele sabia disso por muitas narrativas.”

“Tão facilmente as coisas se modificam quando são recordadas.”

*Hermann Hesse nasceu na Alemanha em 1877, naturalizou-se suíço em 1923 e faleceu em 1962. “O Lobo da Estepe” e “Sidarta” são seus livros mais conhecidos. Viajou para Índia em 1911 e conheceu o budismo, doutrina que, ao lado da psicanálise junguiana, influenciou profundamente sua obra e sua exímia capacidade de desvendar a alma humana. Após escrever o livro “O Jogo das Contas de Vidro”, uma das mais belas e profundas obras na história da literatura mundial, ganhou o Prêmio Goethe e alguns meses depois, o Prêmio Nobel de Literatura em 1946.

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